Formar adolescentes nos dias de hoje
O fim do mundo está a chegar!
pelo Dr. Eduardo de Sá
O
mundo, tal como o conhecemos, acabou! Os nossos filhos já não leem
jornais e não veem televisão. Hoje, serão seguidores (mais vezes do que
seria o nosso desejo). As pessoas que gostaríamos que eles admirassem
foram substituídas por influenciadores. Por mais que nós, os pais, ainda
nos assustemos com “as más companhias”, “as más influências” que possam
ter, eles, na verdade, trazem-nas no bolso. E limitamos-lhes as saídas e
queremos saber quem é o seu grupo, por mais que lhes permitamos, sem
controlo, que circulem pelos sites e pelas redes sociais mais diversas, criando perfis em idades em que não os deviam ter e “consumindo” alguns youtubers que jamais permitiríamos que fossem seus amigos.
O mundo, tal como o conhecemos, acabou! No mundo dos pais continua-se a
ser contra os desenhos animados violentos. Mas as crianças estão “mais à
frente” e, com a nossa complacência, consomem, viciam-se e ficam
“agarradas” a Fortnite (ou a outros jogos), de manhã, à tarde, à noite... e de madrugada!
O
mundo, tal como o conhecemos, acabou! Agora, no mundo onde crescem os
nossos filhos, procura-se a notoriedade, a qualquer preço. E nós, os
pais, contribuímos, vaidosamente, para isso (mais do que parece), como
se, em relação a eles, “dar nas vistas” e “pensar pela sua cabeça”
fosse, quase sempre, a mesma coisa. Neste “novo” mundo, é-se contra as
drogas. Mas as crianças consomem-nas (como nunca). Para adormecerem,
para terem apetite, para não estarem tristes ou para serem atentas. E
confunde-se (muitas vezes!) felicidade com euforia e amor pela verdade
com pessimismo. E prevalece uma ideia fácil de crescimento, que parece
fazer da determinação, da perseverança, da paciência, da tenacidade, do
arrojo e da garra produtos quase jurássicos.
No mundo dos nossos filhos, o mundo do pós-guerra acabrunhou-se. O mundo
dos valores da Humanidade. O mundo da cooperação e da solidariedade. E o
mundo da mestiçagem e da inclusão. E eles têm, hoje, a noção que o
mundo que lhes estamos a deixar é um mundo espremido de recursos. É um
mundo perigoso e com o ambiente a colapsar. Um mundo de mais profundas
desigualdades sociais. E é um “mundo doente mental”, que justifica as
mudanças com argumentos inteligíveis e as promove com atentados à
inteligência.
Acho graça, portanto, que nos alarmemos quando os nossos filhos parecem
apáticos e evitam pensar o futuro. Porque é que - ao contrário dos pais,
quando eram adolescentes - os nossos filhos não se sentem desafiados
por ele? Porque têm a noção que o futuro pode ser pior. E porque sentem e
intuem que, faltando recursos e ideias para mudar o mundo, falta futuro
para a saúde, para a educação, para a justiça e para os direitos
sociais. Como podem amar o futuro se ele lhes parece um lugar inseguro e
opaco? Como podem fazer de forma diferente se nós, em vez de
conversarmos com eles e definirmos, escutando-os, aquilo em que estamos a
trabalhar para o seu futuro, permanecemos alheados e em silêncio?
O
mundo, tal como o conhecemos, acabou. Mas os nossos filhos são miúdos
melhores! E estão ávidos de ter quem lhes fale verdade e de quem os
desafie, em nome daquilo em que acreditam, a irem em peregrinação até ao
futuro. É aqui que a escola pode rasgar o marasmo e dar, uma vez mais,
“o exemplo”. Ensinando a estudar. Ensinando a escutar. Ensinando a
argumentar, a interpelar, a discutir e a pensar. E não lhes roubando a
alma, a audácia, o arrojo, o apreço e a bondade. É pela forma como se
irá definir a escola, pensando o futuro, que o mundo - que, tal como o
conhecemos, já morreu - pode renascer. Melhor! E que os professores
podem, uma vez mais, contribuir para que o mundo mude! Por isso, os
nossos filhos precisam que a escola os eduque e os ensine pensando mais
longe. Para que, depois do “fim do mundo”, o mundo do futuro seja feito
de pessoas melhores!
Eduardo Sá é um psicólogo clínico, psicanalista, professor da Universidade de Coimbra e do ISPA em Lisboa, sendo também autor de vários livros. Os seus livros mais conhecidos focam temas da área da saúde familiar e da educação parental.
Fonte:
https://www.leyaeducacao.com/escola/441
Comentários