A Mãe na Poesia de Língua Portuguesa
A Mãe na Poesia de Língua Portuguesa
Quem tem mãe tem tudo, quem não tem mãe não tem nada. (ditado
popular)
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Mãe!
Que verdade linda
o nascer encerra:
Eu nasci de ti,
Como a flor da terra!
Matilde Rosa Araújo (1921- 2010 )
“O Livro de Tila”
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Com TRÊS letrinhas apenas
Se escreve a palavra MÃE,
Que é, das palavras pequenas,
A maior que o mundo tem!
Helóisa Cid
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Nobres mães, que mostrais orgulhosas
Os filhinhos num gesto sem par
Alto ergueis essas fontes formosas!
Com Deus mesmo hei-des vós preparar
O porvir que em silêncio germina!
Velai, Mães, pela flor pequenina,
Pois à glória que a Pátria ilumina
Dais a chama no canto do lar!
José da Silva Mendes Leal Júnior (1818, 1886)
político, dramaturgo e poeta lisboeta
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SER MÃE
Ser Mãe é desdobrar fibra por fibra o coração!
Ser Mãe é ter no alheio lábio, que suga, o pedestal do seio,
Onde a vida, onde o amor cantando vibra.
Ser Mãe é ser um anjo que se livra
Sobre um berço dormindo; é ser anseio,
É ser temeridade, é ser receio,
É ser força que os males equilibra!
Todo o bem que a Mãe goza é bem do filho,
Espelho em que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!
Ser Mãe é andar chorando num sorriso!
Ser Mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser Mãe é padecer num Paraíso!!
Coelho Neto (1864-1934)
escritor, político e professor brasileiro
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MINHA MÃE
Beijo-te a mão que sobre mim se espalha
Para me abençoar e proteger.
Teu puro amor o coração me acalma;
Provo a doçura do teu bem-querer.
Porque a mão te beijei, a minha palma
Olho, analiso, linha a linha, a ver
Se em mim descubro um traço da tua alma,
Se existe em mim a graça do teu ser.
E o M, gravado sobre a mão aberta,
Pela sua clareza, me desperta
Um grato enlêvo, que jamais senti:
Quer dizer- Mãe- este M tão perfeito,
E, com certeza, em minha mão foi feito
Para, quando eu for bom, pensar em ti.
MARTINS FONTES (1884-1934)
“As melhores Poesias Brasileiras”(Selecção de Alberto de Serpa)
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SER MÃE
Ser Mãe é ser Bondade, é ser Carinho;
Ser Mãe é ser o Anjo Tutelar
Que vai à nossa frente e arranca o éspinho;
Ser Mãe é ser na terra o verbo “AMAR”...
Ser Mãe é ter no filho o seu cadinho;
É ter o coração maior que o Mar;
É Mónica no encalço de Agostinho;
É o verbo mais divino:- “PERDOAR!...”
Ser Mãe é ser o extremo da Coragem;
É ser Nossa Senhora em viva imagem;
É ser do filho o inesgotável dom!...
Ser Mãe é dar o Céu ao Pobre e ao Triste;
Ser Mãe é demonstrar que Deus existe,
Por ser sempre o melhor de quanto é bom!...
PADRE MANUEL ALBUQUERQUE
( poeta brasileiro séc. XX)
“De Volta do Meu Garimpo”
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A Vigília da Mãe Fatigada
São duas da manhã. E espera desde a nove …
Sabe Deus por onde anda o filho, que tristeza!
Vem da rua um rumor de água corrente. Chove.
Fatigada, a mãezinha adormece na mesa.
Mas um golpe de vento esfuzia na porta
E ela, sobressaltada, assustada, desperta,
Ergue a cabeça à claridade meio morta,
Vai abrir a janela e olha a rua deserta.
Senta-se... Ouvindo ao longe um lamento impreciso
Faz o sinal da cruz arrepiada de medo.
Depois apura o ouvido. E logo num sorriso:
“ Que medrosa que sou. É o rumor do arvoredo.”
Tanto que lhe pediu não tardasse! Debalde.
É toda noite assim, esse martírio lento!
E os quartos de hora das igrejas do arrabalde
Rolam das torres, como súplicas ao vento...
Pobre velha! Ao pensar de cabeça confusa,
No que tem de fazer assim que o dia nasça,
Toda a se espreguiçar, desabotoando a blusa,
Vai, pela última vez, espiar pela vidraça.
E a chuva cai... Então, à janela entreaberta,
Olha: numa expressão de abandono e de mágoa,
A rua se prolonga e se perde, deserta,
Com reflexos de espelho em cada poça de água.
Recolhe-se a tremer. Uma dor muito fina
Lhe apunhala um pulmão... Mas antes que se deite
Vai até ao oratório e acende a lamparina:
Uma chama pequena a dançar sobre o azeite.
Reza... Nossa Senhora é que lhe sabe as penas.
Reza... A Nossa Senhora ela tudo confessa.
E a santa, olhando-a bem, de pupilas serenas,
Dá-lhe esperança ouvindo uma nova promessa.
Depois abre uma porta: eis a cama do filho.
Vazia! E contemplando essa alcova quieta
Diz baixinho, enxugando os dois olhos sem brilho:
“Pobres mães a quem Deus deu um filho poeta!”
Deita-se... De manhã, mal calçada a chinela,
Vai ver a alcova: o filho dorme, as mãos ao peito...
Já um pouco de sol que entra pela janela
Põe doirados de pó no aposento desfeito.
E em meio àquele desalinho pitoresco
Acha a decifração dessa noite passada:
Sobre a mesa um papel rabiscado de fresco
E um cheiro de mulher na roupa abandonada...
RIBEIRO COUTO (jornalista, magistrado, diplomata, poeta, contista e romancista brasileiro)
(1898- 1934)
“O Jardim das Confidências”
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ÚLTIMO LÍRIO (morto em meu colo)
De um crespúsculo à queda suave e lenta
E do meu pranto ao solitário orvalho,
Nas suas mãos, doridas do trabalho,
Pus do Santo Sepulcro a vela benta.
Beijou Nosso Senhor, e a paz, nevoenta,
Fechou-lhes os olhos para sempre! Espalho
Pelo seu rosto beijos, e a amortalho...
O sorriso final que bem lhe assenta!
Deito, depois, no humílimo ataúde
Meu lírio d'alma, o vaso de virtude
Que tanto e tanto neste val sofrera.
E assim, no seu caixão, pálida e fria
Minha mãe aos meus olhos parecia
Uma piedosa lágrima de cera!
B. Lopes 1859- 1916
(Poeta Parnasiano Brasileiro)
“Plumário”
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O Nascimento
Depois de longa mas feliz jornada,
o menino repousa no seu ninho
feito de sonhos e lençóis de linho,
e agora em toda a casa é madrugada...
Sobre as penas macias da almofada,
Respira devagar, devagarinho,
como pássaro exausto do caminho...
e a mãe olha o milagre e não diz nada.
Que pode ela dizer? Deus é que fala
no seu olhar cansado, quando embala
o menino de rosas e jasmins...
Mas nesse gesto, nesse olhar profundo,
demasiado grande para o mundo,
há céus, estrelas, fontes e jardins.
Fernanda de Castro (1900- 1994)
ESCRITORA PORTUGUESA
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O AMOR MATERNAL
Que doce que é ser mãe! - Que meigo quadro
É ver a esposa ao lado do consorte
Nos braços lindos embalando o filho,
Seu único desvelo,
Que largou de cansado o níveo seio
E foi suavemente adormecendo
No amplexo maternal – Inda invejoso
Não encobriu de todo
O casto véu segredos pudibundos
Só do esposo sabidos: enlevada
Nas doçuras de mãe, toda prazeres,
Só para o filho atenta
Vede-a sorrindo ao tenro inocentinho,
Como se espalha nas mimosas faces,
E colhe nas feições, uma por uma,
O transumpto do esposo.
Com que graça lh'o diz! Como suspira
Magoada e triste se o consorte amado
Toda, toda não vê a semelhança
Que a ponto ela distingue!
Oh, se pálida ousou tocá-lo a febre,
Aqui são os desvelos, os extremos,
As não dormidas noites, os cansados,
Afadigosos dias.
Ei-la que se definha junto ao berço,
Que as lágrimas retém, que os ais sufoca
Se condoído Morfeu nos tenros olhos
Pousou do filho caro
Que promessas, que votos tão do peito
Se um Deus compadecido... E os Deuses ouvem
Mais que um rogo nenhumas maternas preces
Já visos de melhora
No semblante infantil vão despontando,
Ai que alegrias – recortadas inda
De enternecidos sustos, que os prazeres
Agrados emurchecem.
E salvo enfim: já cresce e ao lado folga
Da carinhosa mãe, já co'as mãozinhas
Lhe trava da orla ao cândido vestido,
Ou travesso lho rasga
Os anos correm, graças vão medrando
No corpinho gentil, n'alma embebida
Em suaves lições de sã virtude
C'o exemplo avigorada
Tal, esmero de Flora e mimo dela,
Cresce alvo lírio em vale deleitoso;
Brando Zéfiro o ameiga, a aurora o rega,
E as belas o cobiçam.
ALMEIDA GARRETT (1799- 1854)
escritor e dramaturgo português
“Lírica de João Mínimo” (Livro Terceiro)
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ÀS MÃES
Oh santas que embalais o berços das crianças,
E assim lh'o revestis de flóreas esperanças!
Que andais sempre a cuidar das almas por abrir,
E a verter-lhes no seio o gérmen do porvir!
Sois vós que, pela mão, da glória à vida inquieta,
Levais um vosso filho, um pálido profeta,
Que é Newton ou Petrarca, Ângelo ou Rafael,
Com o pincel e a pena, o compasso e o cinzel,
Fazendo, enobrecer quem lhe seguir o exemplo..
Sois vós que o conduzis aos pórticos do templo
Onde o porvir coroa os génios imortais,
E, mal chegadas lá, de todo o abandonais,
Sem aguardar sequer nas sombras de uma arcada
A grande aclamação que lhe festeja a entrada!
E – modestas que sois! - voltais a vosso lar
E só vos contentais em vê-lo atravessar
Coroada de lauréis a fronte cismadora-
Um arco trinfal que o cerca d'uma aurora...
Mas nós, cabeças vãs, escravos pelo amor,
Andamos a dizer: “Beatriz! Leonor!”
E o nome vosso, oh mães, não lembra um só instante!
Quem sabe o nome vosso, oh mães de Tasso e Dante?
Oh santas, embalai o berço das crianças!
Guilherme Braga (1845- 1874)
tribuno e poeta portuense
“Heras e Violetas”
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Poema à Mãe
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe!
Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos!
Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais!
Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.
Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura!
Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos...
Mas tu esqueces-te muita coisa!
Esqueces-te que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!
Olha, queres ouvir-me?:
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;
ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;
ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
no meio de um laranjal...
Mas – tu sabes!- a noite é enorme
e todo o meu corpo cresceu...
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.
Não me esqueci de nada, mãe,
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas...
Boa Noite. Eu vou com as aves!
Eugénio de Andrade (1923- 2005 ), poeta português
“”Os amantes sem dinheiro”
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EU NÃO QUERO O TEU ANEL
Mãe, não quero o teu anel,
Nem os teus brincos,
Nem o teu colar de pérolas,
Nem a tua pulseira de ouro.
Quero o teu colo para encosto,
Um beijo no meu rosto,
O teu abraço enorme,
E estas palavras doces:
“Dorme, filho, dorme”.
EU QUERIA UNS SAPATOS
Eu queria uns sapatos
Com asas nos saltos:
Batia com eles no chão,
“Trás. Trás”.
E subia ao céu,
Por cima das serras,
Por cima do mar,
Não para lá ficar...
Mas para roubar
Ao céu, que tem tantas,
A estrela mais linda,
Para dar à mãezinha.
Campos de Figueiredo (1899-1965)
poeta, ensaísta e dramaturgo português
“Colim Colom”
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QUANDO EU NASCI
Quando eu nasci
ficou tudo como estava.
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve estrelas a mais...
Sòmente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.
Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.
As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...
P'ra que o dia fosse enorme
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...
Sebastião da Gama (1924- 1952 )
poeta português
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FILHOS
(à excelentíssima sra. D. Glória Lomba)
Filhos são as nossas almas
Desabruchadas em flor
Filhos, estrelas caídas
No mundo das nossas dores.
Filhos, aves que chilreiam
No ninho do nosso amor,
mensageiros da felicidade
mandados pelo Senhor!
Filhos sonhos adorados
Beijos que nascem de risos;
Sol que aguenta e dá luz
E se desfez em sorrisos!
Em todo o peito bendito
Criado pelo bom Deus
Há uma alma de mãe
que sofre pelos filhos seus!
Filhos! Na su'alma casta
A nossa alma revive...
Eu sofro pelas saudades
Dos filhos que nunca tive!...
Florbela Espanca (1894- 1930)
poeta portuguesa
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Cantiga de Amigo
Não chegou, madre o meu amigo, o meu amigo,
E hoje é o prazo saído
Ai, madre, morro de amor.
Não chegou, madre o meu amado
E hoje é o prazo passado;
Ai madre, morro d'amor.
E hoje o prazo saído
Porque mentiu o desmentido?
Ai, madre, morro d'amor!
E hoje é o prazo passado
porque mentiu o perjurado?
Ai, madre, morro d'amor!
E porque mentiu o desmentido?
Pesa-me, pois por si é falido,
Ai madre, morro d'amor!
Porque mentiu o perjurado?
Pesa-me que mentiu por seu grado
Ai madre, morro d'amor!
Dinis (1261- 1325)
sexto rei de Portugal e poeta trovadoresco
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BEBÉ FOI AO MAR
Bebé foi ao mar
Sem medo nenhum, fatinho de lã
As mãos agarradas à mão da mamã,
Bebé foi ao mar
Ondinhas miúdas, ondinhas bonecas,
Travessas, marotas, levadas da breca,
a andarem de lado, a andarem de frente...
Bebé bem contente.
Será que o bebé não vê que é o mar
Tão grande e tão manso e sempre a mudar?
Pergunta-se ao mar:
Qual é o segredo
Porque este bebé avança sem medo?
O mar ri na vaga, a vaga na espuma
e a gente não ouve resposta nenhuma.
E as ondas às voltas, as ondas travessas,
Bebé tão feliz, de pé, às avessas,
Já todo molhado, a andar com afã,
rabito no ar, a cara na areia,
só fazem pensar:
Que ideia!
Se ele traz as mãozinhas nas mãos da mamã...
COCHAT OSÓRIO (1917 - 2002)
“Calema”
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SONHO DA MÃE NEGRA
à minha mãe
Mãe negra
Embala o seu filho
E na sua cabeça negra
Coberta de cabelos negros
Ela guarda sonhos maravilhosos.
Mãe negra
Embala o seu filho
E esquece
Que o milho já a terra secou
Que o amendoim ontem acabou.
Ela sonha mundos maravilhosos
Onde o filho iria à escola
À escola onde estudam os homens.
Mãe negra
Embala o seu filho
E esquece
Os seus irmãos construindo vilas e cidades
Cimentando-as com o seu sangue.
Ela sonha mundos maravilhosos
Onde o seu filho correria na estrada
Na estrada onde passam os homens.
Mãe negra
Embala o seu filho
E escutando
A voz que vem de longe
Trazida pelos ventos
Ela sonha mundos maravilhosos,
Mundos maravilhosos,
Onde o seu filho poderá viver.
KALUNGANO (1929, )
pseudónimo de Marcelino dos Santos- dirigente político e poeta moçambicano
“Poetas de Moçambique”
(Antologia da Casa dos Estudantes do Império)
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À MINHA MÃE
EMBALADA num sonho de doçura
Transpus d'oceano a imensidade
e num transe d'amor e de ternura
Uni-me a ti, exausta de saudade!
O mundo para mim parou então
da lua e sol o brilho s'ofuscou
da vida... eras a única razão
e o Universo em ti se concentrou...
E ao querer dizer-te tudo o que senti
ao q'rer mostrar-te até o que me sustém
apenas sei que nada sou sem ti
que és p´ra mim a Vida, oh minha Mãe
Enid Simões de Abreu (1937, )
Pintora e poeta angolana
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